PLAY/CO#01

BAIXIOS DOS VIADUTO
JÚLIO DE MESQUITA FILHO

[março 2015 – dezembro 2016]

Chegamos nos baixios do viaduto Júlio de Mesquita Filho através da indicação das arquitetas Marília Gallmeister e Carila Matzenbacher, fruto da reelaboração do projeto do Anhangabaú da Feliz Cidade realizada dentro da programação da X Bienal de Arquitetura em 2013, quando elas juntos de outros coletivos de arquitetos, o tyazo do Teat(r)o Oficina e atuadores do bairro, mapearam os espaços subutilizados do Bixiga. Estacionamentos de miolo de quadra, baixios de viaduto, terrenos e edifícios abandonados, etc. Fomos nos aproximando dos baixios com muito respeito e silêncio.

Nos fins dos anos 60 início dos 70, esses baixios se formaram em consequência da violenta construção do viaduto Júlio de Mesquita Filho, conexão Leste-Oeste, continuação do Minhocão, que rasgou o bairro do Bixiga no meio, criando um corte, uma ferida urbana. Ali antes casas residenciais, desapropriadas e demolidas para dar passagem ao “progresso”, se tornou um grande espaço residual, sem uso definido, nem abertura ao uso público. Durante muito tempo funcionaram ali grandes pateos de estacionamento de carros sempre irregulares. Os baixios são divididos em três terços principais, cortados pelas ruas Abolição e Major Diogo. No primeiro terço, bem em frente ao Teat(r)o Oficina, funciona um sacolão e uma série de box de comércio de alimentos, isso desde a gestão da prefeita Luisa Erundida no fim da década de 80. No segundo terço funcionava um estacionamento da polícia militar e depósito de viaturas fora de serviço. Terreno todo murado, gradeado, com arames farpados, com um único portão que permitia a entrada e saída de carros. Atrás dos muros havia um hábito de descarte irregular de lixo numa quantidade assustadora. Já no terceiro terça, área mais aberta onde o viaduto engastava com a via, ao mesmo tempo o terço mais escuro, onde pouco o sol penetrava, funcionava uma boca de venda de craque. Dentro dos terrenos não havia a presença do Povo da Rua, eles eram obrigados a ficar sempre do lado de fora, próximos das grades e muros.

Vale lembrar que durante a criação da peça Na Selva das Cidades, do Teat(r) Oficina, em 1969, a arquiteta Lina Bo Bardi, na época arquiteta cênica do Tyazo, criou o espaço todo utilizando pedaços dos escombros das casas demolidas para a construção do viaduto. Primeiro gesto de aproximação dos baixios.

Em março de 2015, a PM perdeu a cessão de uso do segundo terço do baixio, por conta de uma denúncia de que ali eram feitos desmanches de carros. Assim que vimos o espaço desocupado, adentramos. E aos poucos começamos nossos trabalhos junto do espaço, nossas estratégias de escuta. Começamos a habitar o espaço e instauramos ali um Canteyro de Obras de abertura ao público para a criação e realização de um projeto de desdobramento do Anhangabaú da Feliz Cidade em meio à selva da cidade que foi dar no Parque do Rio do Bixiga e na Arena Bela Vista, escolinha de futebol para as crianças do bairro que funciona no Baixo Libertas desde 2017. Além de muitos outros usos que o bairro foi se sentindo convidado a fazer.

Importante lembrar da formação ali da Maloca Jaceguay, uma auto-organização do Povo da Rua que encontrou ali uma morada e se firmaram enquanto comunidade. Parceiros de inúmeros trabalhos. Eles foram brutalmente tirados dali em julho de 2017 a mando do então prefeito de São Paulo, João Dória Jr.Ali o Terreyro Coreográfico mostrou a dimensão e o alcance do seu trabalho. Ali habitamos Y cultivamos a vida pública e uma outra ideia-experiência de espaço público. Entendemos que cultivar hábitos públicos no espaço já, em si, gesto arquitetônico. Celebrar em coro no espaço público é arquitetura. Acender uma fogueira e sentar em coro em torno dela já é arquitetura. Se encontrar em coro no espaço público para ler junto toda semana já é arquitetura. No Canteyro de Obras dos baixios do viaduto Júlio de Mesquita Filho, que batizamos Viaduto Libertas, materializamos ao mesmo tempo em que desenhávamos um projeto de cicatrização da ferida que o viaduto abriu.

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