Metodologia

Para criar e realizar nossos projetos, desenvolvemos através da nossa prática diária, uma metodologia de trabalho que fundamenta coreograficamente todos nossos programas arquitetônicos.

pedir licença

Para adentrarmos qualquer espaço é preciso pedir licença. Mais ainda em um espaço com o qual tenhamos a pretensão de trabalhar. Pede-se licença de muitas formas. Na nossa prática entendemos que a dança é uma das melhores maneiras de pisarmos no chão devagarinho, pedindo licença e nos apresentando. Vale dizer, uma dança que seja mais escuta do que ação.

escutar

É preciso aprender a ler os sinais do espaço. Sinal é tudo aquilo que acontece no espaço em exceção ao que lhe é habitual. A diferença que faz a diferença. Para se saber bem vindo ou não. Saber se os trabalhos ali realizados estão agradando ou não. Saber até onde ir. Quando parar. O que fazer a cada momento do projeto. A escuta nos orienta. É uma prática diária fundamental para se estabelecer um bom vínculo de trabalho e desenvolver um projeto acordes com o Espírito do Lugar, com seus Encantados.

dançar com o Espírito do Lugar

Para se criar um projeto arquitetônico/ urbanístico em conversa e respeito ao Espírito do Lugar, que os romanos chamavam de Genius Locci, e q nessa terra chamamos de Encantados, que se manifestam nas matérias presentes, conduzindo as dinâmicas do espaço, seus temperamentos, suas vocações, suas danças, seus movimentos, se faz necessário dançar com o Espírito do Lugar. Se deixar coreografar por ele, conhecer sua dança, dançar-junto. Podemos fazer isso com nosso próprio corpo, ou através de matérias leves, que possam materializar, dar corpo, ao que há de invisível ali. É preciso repetir e repetir essa dança, pois apenas a repetição dá força à coreografia. É através da repetição que se firma o ponto junto do Espírito do Lugar, dos Encantados.

habitar e cultivar

Entendemos ali no trabalho diário nos baixios do viaduto, que precisávamos habitar se quiséssemos desenhar um projeto para lá. Habitar no sentido de criar um hábito com o espaço, demorar-se junto a ele, se fazer presença. Aprendemos que apenas habitando podemos projetar, construir. Habitando estabelecemos uma relação de respeito e cumplicidade com o lugar e seus habitantes. Esse foi um grande aprendizado, ali, na prática, na lida diária com as dificuldades da falta de infraestrutura dos espaços públicos, com os diversos movimentos de especulação que ameaçam os espaços públicos, com todas as forças em disputa pelo espaço público. Um aprendizado que se tornou fundamento do nosso trabalho junto da prática do cultivo.

Cultivar se tornou nosso modo de habitar. Habitando estávamos cuidando do espaço, permitindo suas trocas com o espaço da cidade, facilitando o fluxo de pessoas, lhe mantendo limpo, dando de comer pro espaço, lhe alimentando de força vital, de alegria-guerreira, de prazer.

Cultivando a vida do espaço, cultivamos a vida de todos que ali habitam e que ali adentram.

não especular para não gentrificar

Os processos de gentrificação se tornaram uma coreografia habitual nos grandes centros urbanos, conduzidas, em geral, pela especulação imobiliária. Trata-se basicamente de uma dança macabra em que a partir da imposição de novos hábitos estranhos a um determinado território, provoca-se uma mudança drástica da sua paisagem urbana, provocando, direta ou indiretamente, a expulsão dos seus moradores tradicionais.

Geralmente esses processos se aproveitam da ação ou presença de artistas no território, quando estes realizam ações públicas que, de alguma forma, dão visibilidade para o território ou tornam o território aparentemente atraente. Ou mesmo, muitas vezes, os próprios artistas já iniciam um processo de mudança da paisagem local, e um outro público começa a frequentá-lo.

Aprendemos ali nos baixios do Viaduto Libertas, q se nós começássemos a especular o espaço, ou seja, projetar nossos desejos no espaço, sem levar em conta os desejos do próprio espaço, estaríamos nós mesmos dando abertura para que outras especulações ganhassem força ali, inclusive, abrindo caminho para uma possível gentrificação.

De certa forma, toda nossa metodologia se formou em resistência e reexistência frente ao ímpeto especulativo, que atravessa também gestos artísticos. Pois acreditamos que há outros caminhos possíveis de urbanização e arquitetura que sejam acordes com as coreografias do Céu e da Terra, e não uma imposição da vontade humana, demasiada humana.

projetar

Desenhar um projeto é por si projetar uma intenção, um desejo ao espaço, ao território. Isso em si já é um ato de magia. Porém podemos projetar uma intenção acordes com o espaço, com o território, ou ignorando-os, impondo um intento estranho a ele. Por isso tomamos muito cuidado com o que projetamos, para, como falamos acima, evitarmos qualquer forma de especulação. Nosso grande desafio ao criar um projeto, está justamente em encontrar junto do espaço e do território, uma necessidade, um desejo, uma urgência que seja deles, e não uma projeção ou uma imposição nossa.